terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Entrelinhas - Vitória Vasconcelos


Olhos sonolentos para se fecharem
Diminutivos para não ofender
Anjos para acalentar-te ao dormir
Seis da matina para cochilar mais um pouco
Virgúlas para enfeitar-te as frases
Madrugadas para a insônia bailar
Caio Fernando Abreu para posarem de intelectual
Cafeína para deixar-te vivo
Mesas de centro para machucares os dedos dos pés
Livros para os analfabetos
Músicas para surdos
Sessões da Tarde para desempregados
Fome para devorar
Guarda-chuva para molhares os pés
Matemática para distribuir dores de cabeça
Televisão para alienados
Loucura para gênios
Overdoses de certezas...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Catedral - Vitória Vasconcelos


No interior das paredes cinzentas da velha catedral
Velhas beatas rezam fervorosamente o rosário
Uma criança feliz põe na caixinha uma moeda de 1 real
O silêncio abriga-se na paz dentro do santuário

Um idoso tristonho, ajoelhado reza arrependido
As lágrimas vertem e deslizam no seu rosto marcado
Um cão magro fica por baixo dos bancos, escondido
Os mendigos dormem nas escadarias deitados

O padre vaga lentamente contemplando a via-sacra
Os passantes rápidos molham os dedos na água benta
Os vitrais torna a catedral ainda mais mística e sagrada
E as estátuas dos anjos sublimes mostram-se sonolentas

Chicletes nos bancos discretamente lá colocados
Belos cantos gregorianos elevam almas às alturas
Santos presos nas paredes, senhores prostados
O aconchego e a paz conquista as pequenas criaturas

Os pombos na torre, sobrevoam e pousam humildes
O sol, pobre pecador, indigno entra um pouco adentro
Suave, entra pacificamente nas pontas dos pés, o vento
Ao encontro de Jesus na cruz, humilhado e triste

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Cotidiano - Vitória Vasconcelos


Ratos invadem e infestam as ruas da cidade
Jovens crianças amamentam seus desnutridos bebês
Vejam! Os adolecentes idosos e velhos jovens!
Olhai! A televisão devora faminta a mente das crianças
Nas calçadas, esparramados mendigos rastafáris
Mostram seus olhos possuídos pelo medo e a fome
Executivos engravatados despreocupados em seus prédios
Lágrimas velozes correm pela face de uma anciã
Nos hospitais, pessoas nascem, agonizam e morrem
A saúde se esvai nas sessões semanais de hemodiálise
Meninos fogem pelo muro da escola ao encontro do mundo
Freiras escondidas e pálidas rezam com devoção nos claustros
Uma menina sorridente caminha com um bigode de sorvete
Gente se esbarram, se tocam
Choram, gritam...
Despedem e reencontram
Eis o cotidiano...