quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Delírios - Vitória Vasconcelos


Ouçam! Escutai os gritos alucinadores dos loucos
A loucura é nítida em seus olhos sem emoção
Nos corredores do manicômio, ecoa seus gritos e choros
Na órbita da realidade, vivem solitários na imaginação

O Tryptanol percorre pelas suas veias com incrível velocidade
Deitados numa cama fria, inicia-se a lobotomia...
Seus olhos não esconde o medo e a lágrima fugitiva
Chamados "Anti-humanos, abandonam o sonho de liberdade

Em suas mentes, escutam gritos graves e vozes estranhas
Canções psicodélicas ocupam lugar em seus delírios
Nas suas ilusões, povoam o que é sagrada e a profana
E assim, permanece longamente com um térrivel vício

"When you're strange, faces come out of the rain
When you're strange, no one remembers your name
When you're strange, when you're strange, when you're strange"*

*Trecho da canção "People Are Strange" da banda The Doors

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Os Três Mal-Amados - João Cabral de Melo Neto


O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Manifesto


Indignação e revolta são sentimentos que melhor me definem no presente momento. Estou indignada com a falta de consideração e respeito que as pessoas dão ao artistas desmerecendo o seu trabalho e forma de expressão. Acham que por serem artistas são no pior sentido da palavra, vagabundos e não vivem dignamente. A maior prova disso ocorreu hoje, e comigo...
Em certo lugar, faríamos uma apresentação musical com melhor exatidão no encerramento. Haveria diversas apresentações artistícas no total de 23 e iríamos encerrar o evento. Ás cinco horas estava certo de que haveria o encerramento, mas ainda estava na 7° APRESENTAÇÃO!!!
Ficamos realmente bastante revoltados! Ainda mais, porque havíamos sido trancafiados numa sala minúscula, quente e abafada esperando á horas para a chegada do horário previsto da nossa apresentação . E eles estavam certos de que iríamos permanecer para fazer, segundo a previsão deles, umas 8 horas da noite! Vários de meus colegas, cheios de experiência, asseguraram que um encerramento nessa hora seria um tremendo fracasso porque não haveria mais ninguém!!! Voltamos para a casa cheios da mais amarga revolta e mágoa.
Sei que em diversas aréas da arte como na música, teatro e dança ocorrem diversas vezes esses tristes e lamentáveis ocorridos. Humilham a arte desvalorizando todo o seu valor quando tomam atitudes como essas com seus artistas. Os Senhores do Mundo não acreditam no valor da arte e por isso tomam atitudes assim frequentemente. Artistas! Mostrem o seu valor! Deixem de se humilhar! Vocês merecem respeito!

Feliz Dia para Quem É - Fernando Pessoa


Feliz dia para quem é
O igual do dia,
E no exterior azul que vê
Simples confia!

Azul do céu faz pena a quem
Não pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver

Ah, e se o verde com que estão
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!

Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia

De só sentir a terra e o céu
Tão belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!